sábado, 29 de agosto de 2009

Autores da Semana (5)

Semanalmente, ou quinzenalmente, ou, no máximo, trimensalmente, publicaremos contos dos participantes do Clube do Conto. Nesta edição número cinco: Roberto Menezes.

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Nascido em Recife-PE e residente em Santa Rita-PB desde a infância, Roberto Menezes escreve desde os dezesseis anos. Doutor em Física por profissão e escritor por malcriação...

Tem uma grande quantidade de contos escritos. Seu romance de estreia, Pirilampos Cegos, tem personagens fortes e marcantes, e mostra fielmente o estilo do escritor.

O conto a seguir foi lido na reunião do dia 8 de agosto de 2009. A brincadeira era levar contos e não assiná-los para que os demais participantes descobrissem quem era o autor. Roberto conseguiu disfarçar o conto e fez alguns participantes pensarem que o texto era de Laudelino.

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UMA IDÉIA

Acordei com uma idéia fixa no pé.

Mas não sabia o que fazer com ela, pelo simples motivo de não saber do que tratava. Era uma idéia irritante, apertava as unhas encravadas. Não pude calçar os sapatos. Tive que ir ao trabalho de sandálias e inventar para o patrão um calo estourado.

Corri no computador e fiz a pesquisa: idéia no pé. Nunca ouviram falar. No máximo, falavam de idéia no coração, no sentido figurado. A idéia que eu tinha no pé era real, estava ali. Como ninguém no mundo havia tido? Achei tão natural, do tipo que vez ou outra alguém pode sentir durante a vida.

Olhei ao redor e fiquei com vergonha de compartilhar o problema com os colegas de trabalho. Procurei um profissional. Fui ao analista. Tinha ido lá no dia anterior.

Ele logo falou:

“Você disse que era urgência. O que era aconteceu com você? Tudo bem com você?”.

“Hoje não amanheci bem, doutor. Acordei com uma idéia no meu pé!”.

“Idéia no pé?

“É. Acordei com ela”.

“No esquerdo ou no direito?”.

“No direito”.

“Entendo... Acho que tou percebendo mesmo uma coisa entre os dois pés”.

“O senhor percebeu???”.

“Siiiiim. A sua idéia até me deu outra idéia!”.

“Uma idéia na sua cabeça, doutor?”.

“Sim senhor, e essa surgiu bem aqui entre as têmporas”.

“Inda bem... uma idéia normal”.

“É, uma idéia fajuta. Mas vamos a ela. Deite aqui no chão.”.

“Assim?”.

“Não, coloque as pernas em cima do divã. Assim, bem pra cima.”.

“Isso é relaxante.”.

“É relaxante mesmo, ajuda a reduzir a pressão arterial nos membros inferiores. Mas não vamos nos dispersar. E a idéia, ainda tá no pé?”.

“Acho que tá”.

“Acha? Você tem que saber onde tá. Ela já pode tá descendo. Olha o joelho. Ela já passou pelo joelho?”.

“Doutor, agora que você falou, posso até tá impressionado. Tou sentindo algo se mexer”.

“É ela, é ela”.

“É!!! Ela tá descendo, passou agora pela batata da perna”.

“Não tou vendo. Vai dizendo, vai dizendo”.

“Tá escorregando, aqui na virilha, que frio na barriga!”.

“Ela tá indo rápido”.

“É, tá.”.

“Conta. Conta. Tou pra ter um enfarto”.

“Passou pelo peito. Aqui, aqui na garganta”.

“Vai chegar à cabeça, vai chegar à cabeça”.

Até achei que ele ia enfartar.

E a idéia chegou à minha cabeça. Olhei para o analista. E ansioso, ele implorava para eu dizer qual era a idéia:

“Fale, meu filho, fale. Qual é a idéia?”.

“Não era idéia. Acho que era uma bolha de ar. Sei lá.”, menti para ele.

Decepcionado, me cobrou a fortuna de rotina.

“Até semana que vem”.

“Até”.

Saí de lá com a idéia fixa na cabeça: dispensar meu analista. No entanto, voltei atrás. Ele conseguiu curar o meu problema.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Revista ponto #1

A revista ponto #1 está disponível on line, clique aqui para ler.

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Acabou de sair do forno a revista ponto número 1, com tiragem de 110 exemplares; cada exemplar está numerado, ou seja, item de colecionador. O formato da revista continua o mesmo 10,5cm x 14,5cm, com 32 páginas e capa em papel couché.



A revista, que neste número homenageia o poeta e contista Antônio Mariano, contém contos do homenageado, de André Aguiar, de Laudelino Menezes, de Alfredo Albuquerque, de Bonifacio Segundo e de André Dias; ainda tem um conto coletivo/experimental escrito a 5 mãos, uma tirinha desenhada por Laudelino e o 2.º capítulo da história do Clube do Conto, escrito por Dôra Limeira. Ufa! É tanto conteúdo que chega cansa dizer tudo duma vez só.

Quem quiser um exemplar, entre em contato via email clubeconto@gmail.com ou escreva um comentário.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Letra Lúdica

No programa Letra Lúdica (exibido no site da UFPB), o convidado indica um livro para leitura. Quatro participantes do Clube do Conto já apareceram. É só clicar no nome e ver o vídeo.

Para ver os vídeos, é necessário ter o Flash Player instalado no computador. Caso não tenha, acesse o site: http://get.adobe.com/br/flashplayer/

Sessão de Contos (2)

Diferente da Sessão da Tarde, um programa quase diário que exibe filmes na televisão, a Sessão de Contos pretende ser um "programa" semanal do nosso blog, trazendo para todos os internautas um dos contos lidos nas reuniões de sábado do Clube.

Esta semana, um conto "requentado" de André Ricardo Aguiar, lido na reunião do dia 15/08/2009.

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Moonlight Serenate

(baseado no poema Serenata Sintética do Cassiano Ricardo)

Lua morta*

A noite é fria e carregamos os instrumentos. Bandolim, cavaquinho, violão, uma flauta. Nós somos um grupo coeso e vivemos conforme a música. Aí pintou um serviço, família de conceito, menina romântica, bairro distante. Então conversamos, acertamos a música, que tipo de andamento e tal e torcemos, torcemos muito por uma noite de lua morta, baça, escondida.

Rua torta*

O caminho é um samba de crioulo doido. É um bairro de classe média baixa, cheio de ruas tortas, ladeiras, um ou outro trecho mal formado. O rapaz do violão diz, meio que brincando, que o bairro é assombrado pelos fantasmas de antigos traficantes. Não brinca, cara. Aí dobramos à esquerda e na última esquina, afinamos os instrumentos: estilete, alicate, chave inglesa.

Tua porta*

Quando chegamos defronte a casa, tomamos o cuidado de uma inspeção ampla. Nenhuma alma na rua. Começamos baixinho com uns dedilhados. Quando, em crescendo, espero lascar com meu vozeirão, quando as primeiras pupilas das janelas acendem, eu dispenso um e outro, que dão a volta na casa. O combinado – o código musical – será tocado no momento certo. Lá estão o pai, a mãe, a filha e a empregada pendurados nas janelas. Eles riem embevecidos da serenata. Aumentamos o tom, quando sentimos, pelo compasso, que o serviço está para ser feito. Não se ouve nada, não há latidos de cães, e nos fundos da casa, a música chega no calculado refrão, indicando que podem dar conta, fazer a feira, raspar o tacho. Depois, recolhemos os instrumentos e nem sequer aceitamos as gorjetas. Saímos de fininho.

Contamos o produto, dividimos com justeza e olhamos pros lados, meio temerosos dos assaltos. Descemos o caminho de volta com a sensação dupla: dançamos conforme a música e eles dançam juntos.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

SUPER ATA, ATIVAR!

Ata referente ao dia 22 de agosto de 2009.

É um pássaro...é um avião...não! É a reunião do Clube do Conto da Paraíba, sempre com cara limpa, tinindo de nova. E os super-poderes estão no papel: histórias que voam, que lançam chamas, que se esticam e salvam o mundo. Vilões, ameaças do espaço, vírus mortais, zumbis, nada escapa ao redemoinho imaginativo da sala de justiça poética.

Afora isso, que turma pode se dar ao luxo de ter, em potencial, ganhadores do jabuti? Densidade queloniana para ninguém botar defeito. Mas vamos aos fatos:

Sábado passado tivemos a notícia em primeira mão do pé machucado do Ronaldo. Em tempos tão ágeis, ainda a dor latejava no dedão do romancista e já líamos poema ilustrativo do sinistro de Cabedelo. Enquanto isso, a presença se fez mais uma vez: Dôra, Bonifácio e Vivi, Beto e Eli, Alfredo, Valéria, Cartaxo, André, Viv, a outra, Emerson, o novato que sabe o que faz e Luciana, ativa na yoga e no conto – além da presença/ausência de Laudelino, entre o churrasco e a literatura.

Contos foram lidos, a nossa revista repartida como pão quentinho e a possibilidade de um bom projeto ficou no gatilho, envolvendo Clube do Conto e Mag Shopping.

O tema decidido ficou duplo: ou Atriz Pornô Aposentada ou Quelônios.

Terminamos o sábado na casa do Laudelino, no churrasco, entre cachaças e paçoquinhas, muito batuque de mesa e histórias. Até a próxima.

André Ricardo Aguiar

Imagem retirada de: http://www.treasurycomics.com/images/gallery/foreign/ebal/superfriends.gif

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Ata ou desata, o nó imprevisível das reuniões

Ata referente ao dia 15 de agosto de 2009.

No último sábado, os arredores de madeira da mesa mais animada do Coelhos marcaram os limites do conto e do desconto. Mais uma vez, a ocorrência não-policial marcou presença e os elementos, compondo uma santa ceia apócrifa e de número quase abstrato, se fizeram verbo e carne.

Bonifácio e Vivi, Alfredo, Cartaxo, Valéria e Vivi, André (os dois), Beto, Laudelino, além de Luciana, recente aquisição, e Emerson, em sua segunda visita.

Luciana Silveira trouxe o seu Folha da Cidade, um boletim de muita valia falando de yoga, mas também dando dicas sobre eventos. Estamos lá, o Clube, numa notinha. Sentimos a falta de Dora (que raramente falta) e do conto do Alfredo (idem). Em compensação, o tema vigente rendeu alguns contos. E isso não é só história. É aquele algo mais que prodigamente o Clube do Conto é capaz.

A reunião seguiu seu curso com a retomada dos nossos projetos de revista e das antologias virtuais. E há boas possibilidades de termos algum evento próximo, segundo conversas preliminares com responsáveis pelos eventos culturais no MAG.

No mais, o tema votado é nada mais, nada menos que: Super-heróis.

André Ricardo Aguiar

Figura retirada de: http://doit101.com/Knots/images/fig133.gif

sábado, 15 de agosto de 2009

Saudosas Atas do Clube do Conto (3)



As antigas Atas do Clube do Conto não são mais produzidas, por isso, para aqueles que não tiveram oportunidade de adquirir um exemplar, estamos disponibilizando eletronicamente esta antiga publicação do Clube.

Nesta edição #4, a maioria dos contos são sobre o tema invisibilidade, invisível. Participam deste número Regina Behar (E se fosse verde?), Dôra Limeira (As vinhetas da ira), Laudelino Menezes (O menino azul), Ronaldo Monte (O beijo), Valéria Rezende (Inveja), Antônio Mariano (O elevador no oitavo andar), André Aguiar (O homem que não estava ali), Geraldo Maciel (A moça, o defunto e a mosca) e João Batista de Brito (Micro-contos para bibliófilos). Patrono da edição: Guimarães Rosa.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ata que atira no que vê e acerta no que não vê

Ata referente ao dia 8 de agosto de 2009.

Integrantes desta ata:
Alfredo Quadro, André , André R. Dias, Dôra Limeira, Joana, Valéria Rezende, Beto Menezes, Eli, Bonifácio e Vivi, Bené, Vivi-2, Marluce, Luciana e David e Hildeberto (visitantes).

O conto late, esperneia, esbraveja, contorce, regride, pulsa, compensa, prescreve, urde, turge, brama, exalta, alardeia. O contista planeja, sopesa, solfeja, brune , lapida, entra-e-sai, diz-que-me-diz, torneia, assalta, ponteia, tricoteia, se esgueira, edita, corta, resume, expande, caça. E o verbo, com a dança abismal de ser tantos, se faz.

Há reuniões que ultrapassam o limite. Encontros que, ao sabor do acaso, tramam emboscadas, tramando histórias e ligações. Há sábados que estão mais para Decamerão do que para Robinson Crusoé. Como foi o caso do último conto-ry-club day. Com o tema bem palpável do conto cego, muito neguinho se viu em maus lençóis para adivinhar o escritor oculto nas bem-traçadas linhas. Mas antes de começar a brincadeira, o sábado em questão começou com um “ô-de-casa” peculiar. Recebemos a visita de Luciana e David. Curiosos com os eventos culturais, Luciana, que trouxe um folheto do seu curso de Yoga, pretende produzir uma revista e quis tomar consciência do clube do conto para divulgar nosso grupo. Entusiasmada, acabou participando efetivamente da brincadeira. Também recebemos a visita de Marluce, uma amiga virtual de nossa Joaninha, escritora infantil publicada e bem ativa nos périplos culturais. E o sábado avançou seus passos de bengala tateante e a tarde foi escurecendo até termos a mesa mais animada do Coelho’s tomada de convivas, integrantes e adjacentes. Os tantos contos que chegaram em papéis foram misturados em um saco e sorteados ao acaso para leitura. Depois dos trabalhos ficcionais postos para voar, partiu-se para mais uma etapa: a votação do conto que chamou mais atenção (Carlos Cruz, de autoria de Betomenezes) e a estatística de qual conto pertencia a qual autor. Boa parte dos contistas foram identificados, mas muitos também foram confundidos pelos estilos.

Como a tabela não pode ser nítida, produzida numa bic sofrível, ficamos ao menos com a idéia abstrata de que a diversão da modalidade poderá ser repetida todo mês (tempo ideal para não tumultuar tanto o restaurante com vozes e grasnidos de maritacas do conto). Tivemos um contista ausente que trouxe(?) o seu conto e o nosso Barreto também tomou a palavra em forma de barulho ao fundo.

Ao fim da festividade, o Clube do conto não fechou propriamente em um tema. Cláudio tentou pela enésima vez o seu tema “aliás”, que aliás, não teve sorte melhor. Mas a ata o homenageia usando o aliás três vezes. Cláudio estará lançando seu mais novo livro nesses dias. Beto sugeriu o tema História Real, ou seja, o uso de um fato histórico tratado de forma ficcional. Vamos ver se cola. Estamos também nos trabalhos finais para seleção dos contos que formarão o novo número da revista. Por último, através de Alfredo, recebemos convite, ainda passível de reunião, para tentarmos um movimento ou evento ligado à literatura, feira de livros, baderna, que seja, no MAG Shopping. O assunto será abordado no breve futuro. Esta ata também contou com o patrocínio das pastilhas Walda, do creme para assaduras, Pregol e dos restaurantes concorrentes Paca’s, Tatu’s e Cotia’s Not.

The End.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sessão de Contos

Um conto do português Rui Tinoco, apreciem.

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Quadro histórico

O dia estava cinzento. Contava, minuto a minuto, o tempo que faltava para a entrevista. Sentia um nervoso miudinho. Cheguei ao local com quase uma hora de antecipação. Olhei uma outra vez para o meu curriculum. O que nos levou a toda esta escrita? Irei falar com um senhor, tentar arranjar um emprego: estará a falar comigo mas, para ele, serei somente um caso mais para avaliar. O diálogo estará viciado à partida.

O compartimento onde se faz a espera é desconfortável, os outros candidatos amontoam-se em redor. Não consigo deixar de pensar que estou em território inimigo, sou aqui um estrangeiro. Observo o terreno minuciosamente: vagos cartazes com avisos insignificantes, revistas usadas em cima da mesa, velhas e já inúteis.

Estou em terreno inimigo. Desejo realmente o emprego? Um enorme sentimento de vacuidade enche-me a alma. O melhor era estar quieto. Os sábios são aqueles que entendem que nada vale mesmo a pena: era preferível deixar de desejar.

Desisto? Existem também as obrigações da vida: a inevitabilidade da construção de uma pequena economia doméstica. Entradas de dinheiro e despesas. A vitória nesta entrevista seria uma lança em África, o início da construção de um sonho.

Faz-me sorrir a antiguidade desta última expressão, uma lança em África... A nossa linguagem possui ainda reminiscências das batalhas antigas. Um lugar em África era um passo dado no caminho da construção de um Marrocos português.

Também gostaria de dar hoje um passo na concretização da minha utopia pessoal. Vencer este obstáculo, arrancar-me das horas pesadas sem afazeres relevantes... mas não há afazeres relevantes...

A confusão entranha-se nos sentidos. A face, essa, tem de permanecer inalterável, impassível. Vou vestir a máscara de entrevistado, inventar uma coerência para o meu passado curricular. Desempenharei a farsa que de mim se espera.

- Senhor Pedro, pode entrar.

Entro noutra sala, mais acolhedora sem deixar de ser desagradável. Um vulto farto e acomodado esconde-se detrás de uma secretária.

- Boa tarde.

Ele responde de forma imperceptível, absorto em papéis como parece estar. O inimigo, o exército marroquino, parece indiferente ao meu ataque. Todos os pensamentos que tive até agora esboroam-se na realidade fria da indiferença deste senhor.

- Posso-me sentar?

Ele anui. Sento-me. Aguardo alguns minutos até que ele se inteire dos meus afazeres passados. Enquadrar-me-á nalguma categoria? Se calhar estou já condenado à partida, condenado desde o meu nascimento a ser aqui derrotado. É verdade que se pode aprender muito com as derrotas?

- Podia-me dizer quais as suas qualidades para desempenhar a função a que se candidata?

Vê-se com clareza que não deseja ouvir, que não quer saber a reposta. Para ele, esta pergunta é maquinal, rotineira. Aguardará apenas que se escoem as horas para poder regressar a casa.

Digo-lhe que sou empreendedor, que gosto de ter iniciativa, que sou apaixonado pelo conhecimento. Os olhos dele flutuam para longe da minha fala. Não voam, nem o podiam fazer a partir de um corpo tão disforme. Continuo a descrever as minhas qualidades, sentindo-me imodesto, mas sabendo que o teria de ser.

- Sabe - queixa-se o entrevistador - passamos aqui o dia a fazer sessões destas... estou cansado... e a sua disponibilidade? Está disposto a ir para outras cidades, trabalhar fora do horário?

A sessão estava a correr-me mal. Tinha a nítida percepção disso. Não havia verdadeira vontade de escutar. O meu interlocutor estava cansado, fizera questão em sublinhar o facto. Morrer sim mas devagar, dissera o nosso rei Sebastião no dia em que encontrou a morte em África. Disse-me o mesmo nessa altura.

- Sabe, mete-me confusão esta obrigação da rotina. O mito de Sísifo dos dias sempre iguais. A sociedade parece ter prazer em cultivar este estilo de vida. A pressão para a construção de obrigações, as dívidas ao banco, o comércio do amor e da intimidade de cada um. Não acha que a vida tem que ser algo mais?

Enredei-me pelo trilho do confronto. Dir-se-ia que tinha despido a minha roupagem de entrevistado e que esta súbita e inesperada nudez chocava o senhor gordo e flácido.

Tossicou nervosamente, multiplicou sinais para terminar a sessão, disse: “Bem”; “percebo o seu ponto de vista”; “já entendi aonde quer chegar”. Aguardava apenas um silêncio da minha parte para dar por finda a tarefa.

Apenas o silêncio me separava da derrota.

- Senhor Pedro, é Pedro que se chama, não é? Espero que consiga aplicar na sua vida todos esses sonhos... às vezes também temos que jogar com o mundo real, não concorda? De qualquer modo, desejo-lhe as maiores felicidades para o seu futuro.

Por outras palavras: estava consumada a derrota. Saí do gabinete, desci pelo elevador à rua. Estava noite cerrada. Fechei o casaco, inventei uma urgência para calcorrear afanosamente os passeios.

Tinha já o meu Álcacer Quibir.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

2009: uma odisséia de contos

Ata referente ao dia 1 de agosto de 2009.

Numa nave chamada clube do conto pousamos como astronautas em gravidade zero, atraímos mundos novos e discutimos se a constelação X rende mais histórias com a nebulosa 5.678. Afora isso, o nível de densidade populacional baseada na capacidade multiplicativa do coelho, rendeu uma sessão espaço-literal das mais promissoras. A missão não teve grandes problemas. Nela participaram, num sábado de muita idas e vindas no tempo, os tripulantes Ricardo Fabião, Beto, Dôra, Mariano, Alfredo, Bonifácio, Vivi, Cartaxo e Lau, além do que vos fala. O sistema propulsor de leituras funcionou às maravilhas. Lidos, dando margens a idéias como ao futuro do conto cego, a reunião estelar também contou com a oferenda do livro do Carlos Cartaxo, Teatro Determinado, realização das mais felizes. Também estamos em plena efervescência com o próximo número da revista Ponto, da permanência entre a órbita da normalidade estética e os saltos gravitacionais das mais loucas imaginações. O tema ficção científica rendeu contos e parcerias (exemplo de Dôra e Ramon), mas ficamos como telescópios em buscas de novas fronteiras, com possíveis colisões entre esculhambação e primeiros puteiros. De resto, o tema é conto cego.

Também foi lido um conto da Terê.

Eu sugiro, aproveitando o espaço da ata, que em breve a participação do clube alargue suas fronteiras rumo ao twitter (...). E que a lua das histórias continue a pairar. Se alguém, seja um alienígena ou cerumano teimar em acrescentar mais algumas cápsulas factuais da nossa reunião, acople o seu módulo, digite a senha e estabilize a sua nave.

Fim da mensagem.

André Ricardo Aguiar

Fonte da imagem: http://i4.ytimg.com/vi/OVBgzthEwjw/hqdefault.jpg.

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O Clube do Conto se reune aos sábados, a partir das 16h45, no Bar & Restaurante Coelho´s, na cidade de João Pessoa-PB.

domingo, 2 de agosto de 2009

Saudosas Atas do Clube do Conto (2)



As antigas Atas do Clube do Conto não são mais produzidas, por isso, para aqueles que não tiveram oportunidade de adquirir um exemplar, estamos disponibilizando eletronicamente esta antiga publicação do Clube.

Nesta edição de número 3, contos sobre o tema celular de Dira Vieira (Sob os lençóis...), Dôra Limeira (Eu nunca tive um celular), Sonia van Dijck (Esquecimento), Ronaldo Monte (Slim), Simone Maldonado (Relato sobre um celular), Mercedes Cavalcanti (O destino de Celina Petri) e João Batista de Brito (Roteiro para filme de um minuto). Patrono da edição: Gogol.